Mera caminhada pela Avenida Borges de Medeiros, não a daqui, mas a da capital gaúcha, terça-feira, em busca de lugar para almoçar, me fez ver uma perspectiva para qual ainda não havia atentado. Ainda tenho para mim que ela, Porto Alegre, seguirá sendo a cidade grande com suas nuances metropolitanas e velocidades incompreensíveis, enquanto a nossa cidade e nós, para a minha alegria, guardamos e guardaremos nossas características aldeãs no que nos for possível.
Na calçada, certo momento, eu era apenas um premido entre o asfalto onde os automóveis e coletivos passavam seguida e velozmente e pelo gradil dos prédios que invariavelmente progridem nas paisagens. Ao chegar à esquina do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tive de parar, a pensar, pois me foi inevitável vê-lo acuado, cercado, gradeado, trancafiado atrás do aço que o circunda na totalidade de suas dimensões. Eis ele, o todo poderoso Estado, ali se rendendo ao caos das vias públicas tomadas pela violência a quem ele próprio deveria dispensar atitude, solução. A grade diz ao transeunte que, realmente, a coisa está feia, a criminalidade galopeia, a rua é perigosa ao tanto, que o ente responsável pela pacificação social tem como postura a demonstrar ao cidadão, esperançoso ou não nos Poderes constituídos, que o melhor a fazer é proteger-se, esconder-se, cercar-se. Sim, meu amigo, minha amiga: cuide-se de verdade, pois até o Tribunal teme a realidade das vias públicas.
A fome fez necessária a continuidade da caminhada que se tornou reflexiva e, em pensamentos lembrei da Boca do Monte, outra vez. Aqui também o Estado superou a fase do silêncio, da omissão e da desassistência ao vulnerável cidadão. A praça em frente ao quartel Mallet, na Avenida Liberdade, por exemplo, desafia aos mais corajosos somente, capazes de frequentá-la, ou mesmo atravessá-la após o ocaso do dia, mesmo tendo à sua frente um efetivo de homens e mulheres armados e municiados para a guerra e ao menos em tese, para ela preparados. Há, aliás, mais um quartel militar que dista dele não mais que cem metros, igualmente habitado por tropas, e armamentos.
Por seus muros e sentinelas, o Brasil só se defende do presumível que possa ocorrer nas adjacências escuras, enquanto o brasileiro anda ali, na vertente do perigo de quem até a mão armada nacional se protege. O Estado se rendeu, não nos socorrerá, e a vitória da barbárie só não alcançou os ambientes restritos pelo aço e pelo concreto, onde estamos cada vez mais fadados a nos enclausurar.